A capa do Caderno 2 do jornal A Gazeta do Iguaçu de hoje (18) traz uma matéria da jornalista Daniela Valiente sobre uma edição especial do Jornal da Gente (JG), um projeto sócio-pedagógico da Fundação Nosso Lar. A edição especial de julho do JG, fala sobre a reportagem “Cadê o Maninho?”, produzida por mim e pela amiga Thays Petters, no ano passado, que também foi a vencedora do V Festicom da UDC, na categoria Reportagem Impressa. A reportagem alerta para as mortes violentas de adolescentes em Foz do Iguaçu, tomando por base um caso: o caso de Rodrigo de Souza, que foi morto um mês antes de completar 18 anos.
Leia a matéria de Daniela Valiente na íntegra:
Leia a matéria de Daniela Valiente na íntegra:
A história por trás da violência
Daniela Valiente
"Adolescente é morto a tiros no Cidade Nova." Assim termina a curta história de vida de Rodrigo de Souza, em 17 de abril de 2006. A morte do jovem, que engrossa os laudos do índice de violência na cidade, serviu como tema de um trabalho desenvolvido por dois acadêmicos de Jornalismo da UDC, Thays Petters e Carlos Luz.
Preocupados em descobrir uma história por trás do número, a dupla visitou a família, conversou com conhecidos e levantou a história de Souza. O resultado das entrevistas foi transformado num rico material distribuído pela Fundação Nosso Lar em seu informativo interno Jornal da Gente, corriqueiramente produzido pelas crianças. A produção dos acadêmicos, porém, ganhou maior abrangência com a distribuição do exemplar para toda a comunidade, além dos jovens atendidos pela instituição.
O trabalho foi elaborado para uma disciplina, que pediu a realização de uma reportagem mais aprofundada, e ambos elegeram o tema com o interesse em mostrar a crescente violência tendo jovens como alvo. Com apoio de números cedidos pela pesquisa realizada pelo Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededica), que mais tarde também foi transformada no livro Abandono, Exploração e Morte, publicado em 2006, os acadêmicos traçaram o relato. "Quando nos pautamos por esse assunto, queríamos resgatar um dos papéis mais importantes do jornalismo, o de formador de opinião. Com esse trabalho esperamos estar contribuindo socialmente com a comunidade", apontaram no informativo.
A história de Souza, o Maninho, como era carinhosamente chamado pela família, traz não somente dados, mas também as impressões deixadas na família. Com a preocupação de não buscar estereótipos, a reportagem escolheu Maninho e descobriu um adolescente comum, de classe média, que buscava em sua vida profissional os primeiros passos como estagiário e cursava o segundo ano do Ensino Médio. "A gente foi atrás da história e buscou mostrar para que as pessoas não se acostumem a achar esse tipo de violência normal", explicou Thays. Recebidos pela mãe do garoto, Marisa de Souza, os acadêmicos souberam mais sobre a vida do adolescente, que era apaixonado por carros e tecnologia. "Ele aprendeu a instalar som em carro para garantir um dinheiro a mais no final de semana", relatou a mãe. Os planos de dar um carro ao filho mais velho foram interrompidos pela morte repentina, um mês antes de completar 18 anos.
A história ainda traz um cotidiano simples, de um garoto que gostava de pescar e era tido como um excelente estagiário por sempre mostrar dedicação ao trabalho. Mais recentemente, a mãe havia notado maior empolgação devido a um namoro recém-iniciado. "O novo namoro estava ajudando muito", descreveu.
Dedicado, fazia com prazer algumas obrigações e cuidava da irmã mais nova nos finais de semana. "Na sexta-feira, ele queria sair para ver a namorada, mas eu não deixei, senão ele ia ficar cansado para cuidar dela (irmã). Ele não foi sexta, mas sábado à noite saiu e nunca mais voltou."
Maninho foi encontrado no bairro Cidade Nova, na periferia da cidade, com dois tiros de 9mm. O motivo seria o temor de alguns amigos que "desse com a língua nos dentes" sobre ações desconhecidas de alguns deles. "Pra ele, todo mundo era amigo. Ninguém era inimigo. Ele não desconfiava de nada", comentou a mãe.
O trabalho dos acadêmicos ganha força não somente com os relatos, mas também pela delicadeza com que o tema é tratado. Enriquecida com fotografias de Maninho, cedidas pela família, a reportagem traz aos leitores momentos importantes de reflexão.
Números
A realidade de Maninho faz parte de um grande ciclo de violência levantado pela pesquisa, a qual coloca Foz do Iguaçu como a cidade campeã em mortes juvenis por armas de fogo. Para a advogada e coordenadora da pesquisa do Cededica, Clarissa Marin Poletto, também ouvida pela reportagem, a mortalidade de adolescentes é uma sincronização de fatores e também a falta de políticas públicas para aplicação na prática do Estatuto da Criança e do Adolescente. "A sociedade vê o adolescente que é assassinado pelo estigma da criminalização e não como sendo agentes vitimizados, como as vítimas da situação. Esta idéia precisa ser modificada."
Para a advogada Patrícia Conceição Pereira, que também trabalha com os números da pesquisa desenvolvida este ano, um dos fatores mais preocupantes, além de falta de políticas públicas, é a omissão da sociedade, que "fecha-se numa redoma como se o problema fosse composto por casos isolados, tratando dessa questão como um caso de polícia, quando, na verdade, é um caso social".
Com 200 exemplares publicados, o Jornal da Gente, com a reportagem Cadê o Maninho, não traz apenas relatos, mas um cuidadoso trabalho de percepção. "Não fomos atrás da história para desvendarmos o porquê da morte, e sim para mostrar como era a vida desse adolescente", disse Thays.
Para Ivânia Ferronato, presidente da Fundação Nosso Lar, que também participa do levantamento sobre a violência entre os jovens, o trabalho é de grande importância por mostrar o lado humano dessas estatísticas. "A reportagem acaba mostrando não somente um caso, mas o drama vivido por centenas de famílias todos os anos em nossa cidade. Resolvemos publicar essa reportagem para que sirva de alerta para toda a sociedade. Esse é um problema que precisa ser encarado de frente, pois são os nossos filhos, os filhos de Foz do Iguaçu que estão sendo as maiores vítimas."
O JG tem distribuição interna na Fundação Nosso Lar, mas esta edição especial também é estendida à comunidade. Quem estiver interessado em um exemplar pode ligar para a instituição, no telefone 3025 2440. O exemplar é distribuído gratuitamente.
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