O jornalista Luiz Cláudio Soares de Oliveira, convidado para
proferir a palestra de abertura da 31ª
Semana Literária do Sesc Paraná, em Foz do Iguaçu, concedeu-me, gentilmente,
uma entrevista respondida via e-mail. Por problemas técnicos a entrevista não pôde
ser postada no site oficial do evento. Mesmo assim, considerei de muita relevância
o tema e a pesquisa desenvolvida pelo jornalista e resolvi postar no blogue,
para democratizar a informação.
Durante o debate, Oliveira aprofunda todas estas questões de
forma aberta e clara. Por isto achei oportuno documentar a entrevista e indicar
o livro.
Fruto de uma dissertação que defendeu, em 2005, para o curso
de mestrado em
Estudos Literários, da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
“Dalton Trevisan (En)Contra o Paranismo” transformou-se em livro e, agora, tema
de debate.
Oliveira analisa como Dalton Trevisan utilizou a revista Joaquim,
que o “Vampiro de Curitiba” editou, de 1946 a 1948, para desenvolver e divulgar a sua
prosa inventiva e, também, criticar o Paranismo e os ícones cultuados na
primeira metade do século XX, no estado.
O tema de sua
palestra é essencialmente sobre o livro que escreveu sobre a revista Joaquim
editada por Dalton Trevisan? Poderia falar um pouco sobre a importância desta
publicação para o cenário literário paranaense e nacional?
Falo basicamente sobre o tema do meu livro, que é a Revisa
Joaquim, mas também abordo um pouco da obra de Dalton Trevisan feita
posteriormente a ela.
A revista teve vários méritos, como o de abrir as portas
para um fazer cultural mais moderno em Curitiba, também fez circular pela
cidade a obra recente de artistas brasileiros e internacionais, ajudou na
solidificação da carreira de críticos e artistas locais. Mas o principal mérito
da Joaquim foi permitir a Dalton Trevisan exercitar sua literatura e lançar seu
nome no mercado nacional como promissor escritor de Curitiba.
Emiliano Perneta e Alfredo Andersen
ainda hoje são ícones da cultura paranaense, mas foram duramente criticados por
Dalton. Qual era a principal crítica de Trevisan ao Parananismo?
Perneta e Andersen não foram exatamente atacados por Dalton
por serem representantes do Paranismo. Parodiando o que Dalton escreveu na
crítica a Emiliano, eles foram vítimas da província, que os havia elegido como
representantes máximos e, com isso, anulavam espaço para os mais jovens, como o
próprio Trevisan que buscava seu lugar ao sol.
O chumbo mais grosso foi reservado a Emiliano Perneta e
Dalton escreveu justamente isso, que Emiliano foi vítima da província que não o
deixou ser o poeta que poderia ter sido e depois o idolatrou como o poeta que
não foi. Rebaixou o Simbolismo taxando-o de movimento insignificante na
literatura brasileira, cujo maior representante não teria sido Perneta, como
queriam os velhos intelectuais de Curitiba, mas o catarinense Cruz e Souza - a
quem o próprio Emiliano deu grande ajuda quando os dois moravam no Rio de
Janeiro.
Andersen não foi tão duramente criticado, mas o foi porque,
mesmo morto, punha sombra sobre aqueles que estavam despontando. Dalton gostava
de atacar ícones e essa foi uma de suas estratégias para se impor na discussão
cultural do momento.
Sobre o Paranismo, era um movimento que propunha criar uma
identidade para o Paraná, mesmo que fosse de uma maneira artificial, inventando
mitos e lendas e, pela repetição, exaltando paisagens e pessoas. O movimento
tentava ser uma extensão da agitação cultural de Curitiba da virada do século
XIX para o XX, justamente quando apareceram figuras como Emiliano Perneta e
Andersen. Mas não havia uma produção cultural significativa e o apego ao
passado praticamente não permitiu que o Paraná entrasse na modernidade pregada
desde a semana de 22. Uma das teses que se defende hoje, e um dos
representantes desse pensamento é o professor, crítico e escritor Miguel
Sanches Neto, é que a revista Joaquim permitiu a entrada tardia do Paraná no
modernismo.
O ataque mais direto ao Paranismo aconteceu no texto de
Dalton no número 8 da revista, em que escreveu o artigo “A geração dos 20 anos
na ilha”. Ali ele também reclama do vácuo que existiu de modernismo no Paraná:
“É um imenso claro na história literária do Paraná esse da revolução
modernista… que não houve”. Mais adiante, ele faz referência direta ao
Paranismo como responsável por este vácuo artístico: “Fortalece-se assim certa
mentalidade reacionária (disfarçada pelo lindo adjetivo de “paranista”), que,
em nome de santas tradições, amputou as mãos e furou os olhos dos jovens
artistas.”
Em dois anos de circulação (1946/48), a
Revista Joaquim analisou e criticou uma época específica da cultura paranaense.
Hoje o Paranismo ainda faz parte da cultura do estado? O Paranismo não poderia
ser considerado como uma atitude de autodefesa do estado?
Sim, o Paranismo persiste, mas é preciso considerar que ele
não é um movimento puramente “do mau”. Construiu coisas. O sentimento paranista
é o de valorizar as coisas do estado e isso continua e não é ruim. Dalton se
opôs à falta de crítica interna, a tentativa de considerar tudo o que é daqui
como bom, independentemente da qualidade real e ao demasiado apego ao passado.
Ele fez a crítica e impôs critérios.
A expressão “Paranista” surgiu de um engano e foi adotada
como representação de uma ideia, um movimento. A criação da palavra se deu no
recém formado Norte do Paraná no início do século passado, quando a população
era quase toda oriunda de São Paulo. Ao receberem a visita de um representante
de Curitiba ele foi chamado, em uma associação com a palavra paulista, de
paranista em vez de paranaense.
Os paranistas buscavam sempre encontrar uma característica
que definisse o Paraná. Se não encontravam, inventavam. Na década de 30, Brasil
Pinheiro Machado afirmou que o Paraná era um estado de muito futuro, mas “um
esboço a se iniciar. Falta-lhe o lastro dos séculos. Apesar de ser o Estado de
futuro mais próximo, forma nessa retaguarda característica de
incaracterísticos”. Mais tarde, Temístocles Linhares, grande colaborador da
Joaquim, usou essa descrição para dizer que não ter características próprias
poderia ser a própria característica do estado e que ele deveria aproveitar
isso a seu favor.
Dalton Trevisan, que criticou o Paranismo
na revista Joaquim, transformou-se ele próprio, em ícone da literatura e
cultura paranaense e nacional, ficando conhecido como o “Vampiro de Curitiba”.
Como se dá esta relação Regional X Nacional? Existe uma cultura “nacional” e
uma “regional”? Em que sentido uma pode e deve influenciar a outra?
A discussão do local x universal é longa e talvez
interminável. Para não me estender, vou tentar simplificar e focar no papel de
Dalton e da Joaquim. A cultura paranaense da época estava fechada em si mesma e
isso é mortal para a arte, que precisa de liberdade, de poder respirar e sofrer
as influências de todos os tempos. Na Joaquim, Dalton e seus colaboradores
abriram espaço para artistas nacionais e internacionais e romperam com o
isolamento regional, além de também terem aberto caminho para novas gerações. O
Paranismo, com a justificativa de construir uma personalidade própria para o
Estado, acabou se voltando demais para dentro e se isolando do que acontecia fora
da província. Joaquim procurava manter novamente o contato com o exterior e não
ficava só no país, pois avançava ao estrangeiro, ao universal.
Na época da revista, Dalton já havia escrito um livro de
poesias e a novela “Sonata ao Luar” que teve trechos reproduzido na Joaquim.
Durante a Joaquim, ele lançou o livro de contos “Sete anos de pastor”, que
também teve publicidade e reproduções em Joaquim. Mas Dalton,
exigente, renegou todos esses escritos. Seu primeiro livro oficial foi “Novelas
nada exemplares”, publicado apenas em 1959, mais de dez anos depois de ter
fechado a revista. Isso mostra o rigor, o grau de exigência de Trevisan. E este
primeiro livro já foi premiado com o Jabuti, evidenciando a qualidade do
escritor e sua penetração nacional.
Curitiba é um personagem fixo de todos os livros de Dalton o
que poderia caracterizá-lo como um escritor regional, ou local. Mas a Curitiba
que está nos livros dele é fictícia. É uma cidade sem data, sem localização
geográfica fixa, que pode ser ao mesmo tempo a província e o mundo todo. E era
muito distante da Curitiba dos paranistas. Como ele mesmo escreveu no conto
“Minha Cidade”, publicado em Joaquim e depois republicado com mudanças de texto
em várias outras oportunidades: “Curitiba que não tem pinheiros, esta Curitiba
eu canto. Curitiba, em que o céu não é azul, esta Curitiba eu canto. Não a
Curitiba para o turista ver, esta Curitiba eu canto”.
E o recente Prêmio Camões mostra que o mais curitibano dos
escritores ultrapassou em muito sua cidade mítica e temática.
A literatura e a cultura paranaense
passam por um momento de reconhecimento no cenário nacional e mesmo
internacional. Nomes como Trevisan, Tezza, Pellegrini, Kolody, Leminski, entre
outros ganham destaque. Isto é apenas um momento, ou uma tendência que tende a
se fortalecer?
E ainda há outros bons nomes que formariam uma grande lista.
Cito alguns aqui, certamente cometendo injustiça com outros que não mencionarei
por conta da minha memória fraca e meu desconhecimento. Alice Ruiz, Otávio
Duarte, Luis Pellanda, Thadeu Wojciechowski, Miguel Sanches Neto, Marcio Renato
dos Santos, Nilson Monteiro, Dante Mendonça, Josely Vianna Baptista, Luis
Felipe Leprevost, Ivan Justen Santana, Paulo Venturelli, Liana Leão, Rodrigo
Garcia Lopes...
Serviço:
História e Crítica, Travessa dos
Editores, 216 páginas, R$ 25