terça-feira, 11 de setembro de 2012

Joaquim



O jornalista Luiz Cláudio Soares de Oliveira, convidado para proferir a palestra de abertura da 31ª Semana Literária do Sesc Paraná, em Foz do Iguaçu, concedeu-me, gentilmente, uma entrevista respondida via e-mail. Por problemas técnicos a entrevista não pôde ser postada no site oficial do evento. Mesmo assim, considerei de muita relevância o tema e a pesquisa desenvolvida pelo jornalista e resolvi postar no blogue, para democratizar a informação.
Durante o debate, Oliveira aprofunda todas estas questões de forma aberta e clara. Por isto achei oportuno documentar a entrevista e indicar o livro.

Fruto de uma dissertação que defendeu, em 2005, para o curso de mestrado em Estudos Literários, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), “Dalton Trevisan (En)Contra o Paranismo” transformou-se em livro e, agora, tema de debate.
Oliveira analisa como Dalton Trevisan utilizou a revista Joaquim, que o “Vampiro de Curitiba” editou, de 1946 a 1948, para desenvolver e divulgar a sua prosa inventiva e, também, criticar o Paranismo e os ícones cultuados na primeira metade do século XX, no estado.

O tema de sua palestra é essencialmente sobre o livro que escreveu sobre a revista Joaquim editada por Dalton Trevisan? Poderia falar um pouco sobre a importância desta publicação para o cenário literário paranaense e nacional?
Falo basicamente sobre o tema do meu livro, que é a Revisa Joaquim, mas também abordo um pouco da obra de Dalton Trevisan feita posteriormente a ela.
A revista teve vários méritos, como o de abrir as portas para um fazer cultural mais moderno em Curitiba, também fez circular pela cidade a obra recente de artistas brasileiros e internacionais, ajudou na solidificação da carreira de críticos e artistas locais. Mas o principal mérito da Joaquim foi permitir a Dalton Trevisan exercitar sua literatura e lançar seu nome no mercado nacional como promissor escritor de Curitiba.

Emiliano Perneta e Alfredo Andersen ainda hoje são ícones da cultura paranaense, mas foram duramente criticados por Dalton. Qual era a principal crítica de Trevisan ao Parananismo?
Perneta e Andersen não foram exatamente atacados por Dalton por serem representantes do Paranismo. Parodiando o que Dalton escreveu na crítica a Emiliano, eles foram vítimas da província, que os havia elegido como representantes máximos e, com isso, anulavam espaço para os mais jovens, como o próprio Trevisan que buscava seu lugar ao sol.
O chumbo mais grosso foi reservado a Emiliano Perneta e Dalton escreveu justamente isso, que Emiliano foi vítima da província que não o deixou ser o poeta que poderia ter sido e depois o idolatrou como o poeta que não foi. Rebaixou o Simbolismo taxando-o de movimento insignificante na literatura brasileira, cujo maior representante não teria sido Perneta, como queriam os velhos intelectuais de Curitiba, mas o catarinense Cruz e Souza - a quem o próprio Emiliano deu grande ajuda quando os dois moravam no Rio de Janeiro.
Andersen não foi tão duramente criticado, mas o foi porque, mesmo morto, punha sombra sobre aqueles que estavam despontando. Dalton gostava de atacar ícones e essa foi uma de suas estratégias para se impor na discussão cultural do momento.
Sobre o Paranismo, era um movimento que propunha criar uma identidade para o Paraná, mesmo que fosse de uma maneira artificial, inventando mitos e lendas e, pela repetição, exaltando paisagens e pessoas. O movimento tentava ser uma extensão da agitação cultural de Curitiba da virada do século XIX para o XX, justamente quando apareceram figuras como Emiliano Perneta e Andersen. Mas não havia uma produção cultural significativa e o apego ao passado praticamente não permitiu que o Paraná entrasse na modernidade pregada desde a semana de 22. Uma das teses que se defende hoje, e um dos representantes desse pensamento é o professor, crítico e escritor Miguel Sanches Neto, é que a revista Joaquim permitiu a entrada tardia do Paraná no modernismo.
O ataque mais direto ao Paranismo aconteceu no texto de Dalton no número 8 da revista, em que escreveu o artigo “A geração dos 20 anos na ilha”. Ali ele também reclama do vácuo que existiu de modernismo no Paraná: “É um imenso claro na história literária do Paraná esse da revolução modernista… que não houve”. Mais adiante, ele faz referência direta ao Paranismo como responsável por este vácuo artístico: “Fortalece-se assim certa mentalidade reacionária (disfarçada pelo lindo adjetivo de “paranista”), que, em nome de santas tradições, amputou as mãos e furou os olhos dos jovens artistas.”

Em dois anos de circulação (1946/48), a Revista Joaquim analisou e criticou uma época específica da cultura paranaense. Hoje o Paranismo ainda faz parte da cultura do estado? O Paranismo não poderia ser considerado como uma atitude de autodefesa do estado?
Sim, o Paranismo persiste, mas é preciso considerar que ele não é um movimento puramente “do mau”. Construiu coisas. O sentimento paranista é o de valorizar as coisas do estado e isso continua e não é ruim. Dalton se opôs à falta de crítica interna, a tentativa de considerar tudo o que é daqui como bom, independentemente da qualidade real e ao demasiado apego ao passado. Ele fez a crítica e impôs critérios.
A expressão “Paranista” surgiu de um engano e foi adotada como representação de uma ideia, um movimento. A criação da palavra se deu no recém formado Norte do Paraná no início do século passado, quando a população era quase toda oriunda de São Paulo. Ao receberem a visita de um representante de Curitiba ele foi chamado, em uma associação com a palavra paulista, de paranista em vez de paranaense.
Os paranistas buscavam sempre encontrar uma característica que definisse o Paraná. Se não encontravam, inventavam. Na década de 30, Brasil Pinheiro Machado afirmou que o Paraná era um estado de muito futuro, mas “um esboço a se iniciar. Falta-lhe o lastro dos séculos. Apesar de ser o Estado de futuro mais próximo, forma nessa retaguarda característica de incaracterísticos”. Mais tarde, Temístocles Linhares, grande colaborador da Joaquim, usou essa descrição para dizer que não ter características próprias poderia ser a própria característica do estado e que ele deveria aproveitar isso a seu favor.

Dalton Trevisan, que criticou o Paranismo na revista Joaquim, transformou-se ele próprio, em ícone da literatura e cultura paranaense e nacional, ficando conhecido como o “Vampiro de Curitiba”. Como se dá esta relação Regional X Nacional? Existe uma cultura “nacional” e uma “regional”? Em que sentido uma pode e deve influenciar a outra?
A discussão do local x universal é longa e talvez interminável. Para não me estender, vou tentar simplificar e focar no papel de Dalton e da Joaquim. A cultura paranaense da época estava fechada em si mesma e isso é mortal para a arte, que precisa de liberdade, de poder respirar e sofrer as influências de todos os tempos. Na Joaquim, Dalton e seus colaboradores abriram espaço para artistas nacionais e internacionais e romperam com o isolamento regional, além de também terem aberto caminho para novas gerações. O Paranismo, com a justificativa de construir uma personalidade própria para o Estado, acabou se voltando demais para dentro e se isolando do que acontecia fora da província. Joaquim procurava manter novamente o contato com o exterior e não ficava só no país, pois avançava ao estrangeiro, ao universal.
Na época da revista, Dalton já havia escrito um livro de poesias e a novela “Sonata ao Luar” que teve trechos reproduzido na Joaquim. Durante a Joaquim, ele lançou o livro de contos “Sete anos de pastor”, que também teve publicidade e reproduções em Joaquim. Mas Dalton, exigente, renegou todos esses escritos. Seu primeiro livro oficial foi “Novelas nada exemplares”, publicado apenas em 1959, mais de dez anos depois de ter fechado a revista. Isso mostra o rigor, o grau de exigência de Trevisan. E este primeiro livro já foi premiado com o Jabuti, evidenciando a qualidade do escritor e sua penetração nacional.
Curitiba é um personagem fixo de todos os livros de Dalton o que poderia caracterizá-lo como um escritor regional, ou local. Mas a Curitiba que está nos livros dele é fictícia. É uma cidade sem data, sem localização geográfica fixa, que pode ser ao mesmo tempo a província e o mundo todo. E era muito distante da Curitiba dos paranistas. Como ele mesmo escreveu no conto “Minha Cidade”, publicado em Joaquim e depois republicado com mudanças de texto em várias outras oportunidades: “Curitiba que não tem pinheiros, esta Curitiba eu canto. Curitiba, em que o céu não é azul, esta Curitiba eu canto. Não a Curitiba para o turista ver, esta Curitiba eu canto”.
E o recente Prêmio Camões mostra que o mais curitibano dos escritores ultrapassou em muito sua cidade mítica e temática.

A literatura e a cultura paranaense passam por um momento de reconhecimento no cenário nacional e mesmo internacional. Nomes como Trevisan, Tezza, Pellegrini, Kolody, Leminski, entre outros ganham destaque. Isto é apenas um momento, ou uma tendência que tende a se fortalecer?
E ainda há outros bons nomes que formariam uma grande lista. Cito alguns aqui, certamente cometendo injustiça com outros que não mencionarei por conta da minha memória fraca e meu desconhecimento. Alice Ruiz, Otávio Duarte, Luis Pellanda, Thadeu Wojciechowski, Miguel Sanches Neto, Marcio Renato dos Santos, Nilson Monteiro, Dante Mendonça, Josely Vianna Baptista, Luis Felipe Leprevost, Ivan Justen Santana, Paulo Venturelli, Liana Leão, Rodrigo Garcia Lopes...

Serviço:
Livro "Joaquim - Dalton Trevisan (en)contra o paranismo"
Luiz Claudio Soares de Oliveira
História e Crítica, Travessa dos Editores, 216 páginas, R$ 25

Um comentário:

Marli Terezinha Andrucho Boldori disse...

Olá Carlos,você postou uma aula de Literatura com Dalton Trevisan, o grande escritor de Curitiba.Interessante a fala do jornalista Luis Cláudio sobre a revista Joaquim e sua importância para a Literatura, principalmente paranaense.Gostei muito de ler a aprender um pouco mais em seu espaço.Um grande abraço!