quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Carta

ADEUS IGOR
A criança é encantadora por natureza e por isso fica tão difícil resistir quando um menino, aparentando 10 a 12 anos se aproxima de uma mesa e oferece CDs e DVDs.
Fica mais difícil ainda quando alguém comovido lhe oferece algo para comer e ele gentilmente recusa e, com a graça natural da sua idade, e a esperteza e malandragem aprendida na rua. responde que não pode aceitar porque está trabalhando e complementa que as pessoas não podem comer enquanto trabalham. Aí as pessoas se derretem.
Para completar ele usa todo seu "conhecimento profissional" e diz: " Quando estamos trabalhando não sentamos nas mesas dos clientes, temos regras de atendimento".
Neste momento todos que estão na mesa hipnotizados com o doce encanto de um anjo se comovem o buscam avidamente um Cd ou DVD da pilha que está sobre a mesa para comprar e "ajudar" esta criança tão esperta, tão inteligente, que já trabalha para ajudar a mãe que é separada ou o pai que está desempregado...

QUE AJUDA É ESSA?!?!
Que rouba o sono, que deturpa a infância, que torna esta pessoinha em fase peculiar de desenvolvimento vulnerável a todo tipo de assédio.
Será que quem compra produtos de uma criança deixaria seu filho trabalhar até altas horas da noite, sozinho, nas ruas boêmias de nossa cidade? Ou será que só nossos filhos merecem o nosso empenho para que eles tenham seus direitos humanos e fundamentais garantidos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente efetivados? Será que só nossos filhos têm o direito de ir para a escola descansado e conseguir aprender? De brincar? Direito a um desenvolvimento saudável em todos os aspectos? DIREITO AO TRATAMENTO DE SAÚDE ADEQUADO?
Sei que é comovente ver alguém tão jovem já empenhando-se em sustentar a família. Mas será que seríamos tão solidários se fosse a mãe dele que nos oferecesse a mesma mercadoria?
Podemos e devemos ser solidários, mas com responsabilidade. Não é da criança a responsabilidade do sustento familiar. E sim do adulto. Se não nos rendêssemos aos encantos infantis talvez muitas crianças não se tornariam vitimas fáceis de aliciadores.Seriam poupadas e protegidas das formas mais cruéis de exploração do trabalho infantil, como a exploração sexual e a tráfico de drogas. Pois muita gente não sabe que muitas meninas e meninos explorados sexualmente começaram vendendo balas, CDs, DVDs e outras "coisinhas" que achamos tão normal.
Ygor Joaquim de Matos também começou assim, vendendo CDs nas ruas de
nossa cidade. E muita gente pensou que estava ajudando-o quando comprava tais mercadorias. Depois o menino tomou gosto pelas ruas, abandonou a escola, não queria mais voltar para casa...
Na rua conheceu muitos "amigos", experimentou drogas e a dependência química tomou conta de sua frágil vida.
Foram feitas vária tentativas de interná-lo em clínicas especializadas, mas estas, além de distantes, não aceitam crianças e só recebem adolescentes se estes demonstrarem que aceitam e querem o tratamento – é complicado para um menino entender e aderir voluntariamente.
Precisamos repensar nossos valores e ações e desejar aos filhos dos outros o mesmo que almejamos aos nossos.
Só assim não teremos mais Ricardinhos, Wesleis, Ygors, e tantos outros que de forma brutal e cruel o direito a vida foi tirado.

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (Art. 227, caput, da CRFB/88 e Art. 4° do ECA)
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. (Art. 5° do ECA).

Edinalva Severo.
Especialista em Políticas Publicas de Atendimento à Criança e ao Adolescente.
Membro do Grupo de Trabalho Nacional Pró Convivência Familiar e Comunitária.
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