sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Crônica para um feriado

Charles Chaplin em "Tempos Modernos".


Modernidade*

Dia desses me peguei imaginando: nos tempos modernos, ou pós-modernos, como queiram, tudo é feito para proporcionar mais agilidade, conforto e comodidade ao nosso dia-a-dia. No mundo dos eletro-eletrônicos, máquinas cada vez mais sofisticadas nos oferecem um mundo de facilidades, governado por simples teclas iconizadas, desenvolvidas para que qualquer criança, mesmo antes de alfabetizada, usufrua dessas maravilhas.
Seria impossível imaginar o mundo sem tais máquinas rodeando as nossas vidas, nos oferecendo diversão, conhecimento, informação e rapidez no trabalho.
A tal da tevê a cabo e do controle remoto, são dois entes que já fazem parte da família. Sessenta, setenta, oitenta, cem canais, o mundo inteiro ao alcance de um único movimento do polegar. Caption, relógio, canais favoritos, zoom, tecla review. Só tem um inconveniente: quando a sua tevê resolve se auto desprogramar. Daí é menu pra cá, auto programação pra lá, tecla aqui, tecla ali, liga, desliga, faz simpatia e nada da danada ultrapassar os treze canais. Quando já estamos prestes a jogar o controle remoto pela janela, a nossa filha pré-adolescente chega e com um pequeno toque mágico resolve o problema.
E o astro do momento, o celular, então? Tem aparelho que tira fotografia, manda recados, faz sua agenda, tem toques personalizados, secretaria eletrônica, calendário, relógio, previsão do tempo, cotação da bolsa de valores, horóscopo, últimas noticias, é conectado à internet... só falta falar, já que na maioria do tempo “não está disponível”.
Há bem pouco tempo atrás, relógio servia para ver a hora, certo? Pois o relógio da minha filha - a do toque mágico – tem cronômetro, calculadora, fuso-horário, games, alarme com música, horário das capitais de 27 paises e ene opções de telas. Para quê? Não me perguntem, só sei que, de vez em quando, ele marca as horas.
Na lista das maravilhas tecnológicas também estão os aparelhos de som que não conseguimos programar para que toquem somente as faixas que queremos, rádios digitais que pulam a estação que você quer ouvir, pois ela não foi programada, vídeos que não gravam aquele programa na hora marcada, dvds que ficam mudos de repente, e por aí a fora. Felizmente a minha locomoção ainda é feita por um carro que funciona manualmente, vidro, trava, partida, acelerador, freio, tudo exige uma força mecânica e não de transmissão de pensamento.
Nem mesmo os alarmes domésticos escapam: disparam no meio da madrugada, sem nenhum motivo, ou começam a piscar loucamente, no estilo das antigas discotecas. Isso sem falar do portão eletrônico que resolve se desprogramar bem na hora da chuva, emperra no meio do caminho e fica sem ir para frente nem para trás.
Mas o xodó dos xodós, o ícone vivo da insuperável capacidade de criação do homem, o campeão mundial da desprogramação é o inigualável microcomputador. Com ele eu tenho um caso de amor e ódio. Ninguém me tira da cabeça que o meu computador tem vontade própria. Quando ele não quer fazer uma coisa, não há Cristo que o faça fazer. Quando ele não quer reconhecer a impressora, não reconhece e pronto, mesmo trabalhando com ela há uns três anos; quando ele diz que executei uma tarefa ilegal, me sinto um foragido da polícia e quando ele resolve que é domingo, mesmo sendo segunda-feira, parece que está trabalhando por uma grande gentileza e preciso esperar a sua vontade de abrir e fechar as páginas.
Pelo menos nesta matéria, ainda estou à frente de minha filha pré-adolescente. Por quanto tempo não sei. Daí, quando ele fica insuportável mesmo, tenho que apelar para os “técnicos”. E dê-lhe o informatiquês: “a placa mãe não está compatível com os Kbs da memória e o melhor é colocar mais uns Gigas no processador, o indicado nesses casos é formatar...”.
Por isso tudo, dia desse me peguei imaginando: se todos esses aparelhos eletro-eletrônicos foram inventados para facilitar a nossa vida, por que eles a complicam tanto? Passamos mais tempo tentando ler o manual de instruções para poder programa-los, do que desfrutando de suas maravilhosas opções. E concluí que bom mesmo era o tempo em que minha menininha vinha correndo para os meus braços, com um livro aberto, me pedindo: - “Paiê, paiê, lê uma historinha pra mim?”.

* publicada originalmente na Revista Escrita n° 0 (experimental)

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